Nos anos 80, soltar balões não era crime, embora perigoso; fogos de artifício não eram e não são proibidos, embora sejam muito perigosos e barulhentos.
Esses explosivos eram vendidos num cubículo de uns dois metros quadrados. O vendedor fumava cercado por pólvora suficiente para levar um quarteirão pelos ares. Toda vez que a molecada ía até o comércio sazonal, o comerciante era obrigado a apresentar o catálogo, que mais parecia um portfólio para terroristas. A mistura dos cheiros de pólvora e papelão era a característica do lugar. Balão Chinesinho, rojão, foguetinho e bombas de vários tamanhos, tudo isso era visto como brinquedo.
Esse pequeno preâmbulo nostálgico é uma passagem para um outro perigo dos fogos. Perigo contemporâneo, que dá cadeia.
Ocorrência 1: domingo passado, operação da Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Polícia Civil do Distrito Federal no QG (quartel general) da milícia, antidemocrática, de extrema direita bolsonarista. No local, foram apreendidos bombas, armas brancas, cartazes com palavras de ordem e uniformes.
Ocorrência 2: junho, 21, a Polícia Civil do Distrito Federal saiu achando que era tubarão, voltou, envergonhada, descobrindo que era lambari. Os protestos de apoiadores de Bolsonaro, compostos, também, por idosos e crianças, têm uma minoria mais aguerrida. Essa turminha denominada “300 do Brasil” (são menos que 300), acampava em Brasília. Com mandado de busca e apreensão, a polícia invadiu uma chácara, onde estava um casal de senhores, encontrando apenas rojões, facas de cozinha , cartazes e camisetas.
Ambas as ocorrências, na verdade, são a mesma. Isso prova que a escolha das palavras leva a opinião pública para o lado que convém: fogos de artifício viram bombas; facas de cozinha são descritas como armas brancas; cartazes são palavras de ordem ou estratégia; e camisetas com dizeres patriotas são descritas como uniforme.
As Polícias, Civil e Federal, têm ficado constrangidas porque cumprem ordens ilegais, a ponto de ficarem em dúvida quanto a correção do endereço do mandado. Acostumados a fazer diligências contra o crime organizado (verdadeiro) e apreender itens relevantes e que servem como provas. Nas ações políticas recentes, a ordem judicial é inconstitucional, ainda não está tipificado o crime de “fake news”(nome importado para censurar sem sujar as mãos), o inquérito não tem objeto e as apreensões não têm materialidade.
O paralelo que eu faço, entre os fogos de artifício da minha infância e essas desastrosas operações, é minha, inexistente, periculosidade. Se a Polícia arrebentasse a porta e, com táticas de combate à guerrilha urbana, invadisse minha casinha, poderia encontrar alguns morteiros, rojões, foguetes e explosivos em geral. Pronto, missão bem sucedida. Minha mãe, em prantos e incrédula, presenciaria o filho mais novo, tratado como um marginal, saindo de casa, cabeça baixa e algemado, escoltado pela polícia. Mal sabia, minha mãe, que abrigava um perigoso terrorista em suas modestas instalações. A vizinhança, abastecendo-se de fofocas, esticaria o pescoço para ver a viatura levando aquele imberbe , porém perigosíssimo mau elemento. Logo a notícia se espalharia que o Rafael escondia, em seu quarto, um enorme arsenal com grande potencial explosivo. A sociedade, enfim, estaria mais segura, pois o terrível proprietário do paiol está afastado da sociedade.
Mais uma vez, o uso das palavras dá uma outra conotação aos fatos.
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