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A rainha do pop declara guerra à tudo e todos
(Madame X: o álbum político da Madonna)
Roberto Queiroz

Eu confesso: nos últimos anos abandonei a rainha do pop, Madonna, por não concordar com a linha autoral que ela vinha seguindo. E dentre seus últimos álbuns lançados o que mais me perturbou foi Hard Candy (de 2008). Terminei a audição dele, na época, pensando: "definitivamente essa não é Madonna; nem de longe!". O tempo passou, Madonna procurou parcerias com artistas mais jovens (afinal de contas, há muitos anos ela não é mais a garotinha que emplacou na billboard com "material girl" e "holiday") e enveredou por outros territórios musicais, alguns acertadamente, outros não.

E após tanto tempo, e esperando alucinadamente um disco que chacoalhasse com a minha cabeça (pois é: a música ao redor do mundo nos últimos anos anda pouco cativante - palavras minhas, que fique claro aqui!), eis que Madonna lança seu Madame X, um projeto desde o lançamento marcado por mistérios e uma silhueta misteriosa da cantora, envolvendo até mesmo um tapa-olho. A princípio temeroso, pensei: "deve ser pura jogada de marketing e ao fim, mais do mesmo". E não é que desta vez eu estava redondamente enganado?

Madonna entregou ao público um dos melhores álbuns do ano (até agora).

A canção que abre o álbum, "Medellín (em que divide os vocais com o cantor Maluma) já havia sido disponibilizada online para fãs mais ansiosos, deixando-os ainda mais curiosos sobre o futuro projeto, e desde as primeiras palavras que ouvimos da musa (one, two, one, two, one, two, cha cha cha) já fica claro o interesse da cantora numa relação mais estreita neste trabalho com a América Latina.

Contudo, antes que essa proximidade se concretize, ela precisa deixar claro aos fãs de longa data que se trata de um álbum de Madonna. Logo, repleto de polêmicas e desabafos. E isso fica claro com "Dark ballet" onde escancara o verbo dizendo que "o mundo é uma vergonha", emenda com a religiosa "God control" narrando um mundo desesperançado e niilista, onde "todo mundo sabe a verdade, mas ninguém faz nada para mudar", tudo acompanhado de um coro clerical que mais parece um lamento desesperador e não satisfeita ainda arrisca no terreno do rock com "Love, pain, hope" em que critica a postura do atual governo norte-americano, mais interessado em projetos que nada acrescentam à realidade do povo e só alimentam a vaidade dos poderosos fúteis. Ao fim, manda um recado para os seus compatriotas: "não se machuque, você é melhor do que o mundo".

Como prosseguir depois disso? Profetizando, ora essa! E esse é o papel das canções "Future" e "Batuka". Na primeira, ela tristemente constata que "as pessoas não se prepararam para o futuro, vivem apegadas ao passado" e avisa aos habitantes de sua nação que um país imerso na violência não aprende nada com a sua própria história de terror. Já na segunda, ela endurece ainda mais o discurso e diz que "uma tempestade está vindo, de tempos ainda mais negros do que o atual" e que será um longo caminho até lá. Macabro? Eu sei. Mas como eu disse num parágrafo mais acima: Madonna já não é mais a material girl dos anos 80.

Próximo passo: falar de si e dos mais necessitados, daqueles sempre desamparados pelo sistema. Com "Crave" (ao lado da cantora Swae Lee) ela volta-se para si mesma, se diz perdida, longe de casa, das pessoas a quem pode ajudar, do que é seguro. Porém, Madonna não está sozinha nesse sentimento derrotista, de desamparo. Isso é um reflexo desses tempos atuais, dessa globalização sórdida que prometeu milagres e só entregou discórdia. Já com "Killers who are partying" a cantora dá voz aos flagelados, esquecidos, refugiados. Detalhe: neste momento do álbum ela começa a exibir seus dotes na língua portuguesa. Confesso que achei uma ousadia e tanto da diva a esta altura da carreira.

Passado o sofrimento e a sensação de impotência, Madonna parte para a segunda fase do disco e exibe seu lado cachorrona, de mulher fatal, que não leva desaforo para casa por nada nem por homem nenhum. É nesse momento que os fãs mais enlouquecidos da artista vão se sentir em casa. Com "Crazy" esmiuça os relacionamentos tóxicos. Esbraveja contra quem ela se dedicou e não lhe deu o devido crédito ("agora chega!", ela grita). Já com "Come alive", parte para os casais discordantes, que forçam a barra tentando encontrar pontos em comum para salvar o relacionamento. Logo a seguir, ajudada pela nossa musa, Anitta, entra de sola na língua portuguesa com "Faz gostoso" (eu fiquei imaginando a dificuldade da moça para aprender o nosso idioma, um dos mais difíceis do mundo). Mas é com "Bitch, I'm a loca" que ela mostra que a transgressora que arrebatou milhões de fãs ao redor do mundo não está morta. Veste a carapuça da mulher moderna, empoderada, vestida para matar, safada, aquela que faz a diferença em qualquer lugar, esteja acompanhada ou não.

O que sobra depois deste tsunami erótico todo? Madonna à procura de um amor (mas dentro das regras dela) com "I don't search I find" e um convite - mais do que isso: um levante - contra o sistema. Na faixa derradeira, "I rise", a musa dá o recado aos eternos opressores de sempre: "não há nada que você comigo que já não tenham feito antes". Menos arrasador impossível.

Ao final da audição (ouvi o disco todo pelo Spotify) a sensação que me ficou não foi a do gosto amargo de saber que continuamos perdendo a batalha para os poderosos corporativistas. Mas sim um alento positivo e inspirador, criado por uma rainha do pop hoje sessentona - mais sem perder a elegância e a ousadia - que decidiu declarar guerra ao sistema, à sociedade e ao mundo em que vivemos da maneira que melhor conhece.

E como é bom ter a diva de volta!

Após escutar o novo trabalho dela, vi muita gente resenhando o álbum na internet e chamando-o de bizarro, de "a coisa mais esquisita que você vai ouvir esse ano". Uma pena. Certamente não entenderam a proposta. Ou então estão tentando diminuí-la, como costumam fazer esses influenciadores digitais de meia tigela e youtubers mais interessados em popularidade. Pior para eles.

O mundo contemporâneo merece mais álbuns como Madame X. Pena que eles não acontecem com a frequência que eu gostaria que acontecessem.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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