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Um quadro, uma guerra
(Guernica: muito mais do que artes plásticas)
Roberto Queiroz

Já prevejo alguns dos meus leitores mais assíduos me chamando de louco. Quer saber: que chamem. Sim, eu decidi dedicar um artigo exclusivamente à uma pintura. Mais do que isso: uma verdadeira obra-prima da história da arte. E se quiserem me rotular de excêntrico por causa disso, fiquem à vontade!

Refiro-me à Guernica, obra seminal do pintor Pablo Picasso, pertencente à sua fase mais obscura (fase essa que coincide não somente com o início da Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial, como também com o falecimento da mãe do pintor em 1939). Portanto, um período soturno para ele como criador.

Guernica, mais do que um mero mural, trata-se de um ato político. É uma tela inspirada no bombardeamento da cidade que dá nome à obra, localizada na Espanha, em 26 de abril de 1937 por aviões alemães da Legião Condor que praticamente destruíram toda a região. Seu resultado final, como pintura, é uma severa crítica a devastação provocada pelo nazismo, neste caso apoiado pelo então ditador Franco.

A primeira vez que fiquei sabendo da existência do quadro de Picasso eu era bem novo, coisa de 10, 11 anos, e confesso: foi meu primeiro momento de perplexidade diante de um objeto artístico. Digo mais: foi quando eu tive a certeza de que minha vida precisava estar relacionada à arte de alguma maneira. Depois deste primeiro vislumbre corri atrás de livros sobre o pintor em bibliotecas públicas e livrarias. Começava ali meu contato com os livros. Resultado: não parei mais e acabei por me tornar este nerd fanático por conhecimento.

Muitos analistas e críticos de arte não vêem Guernica como uma exaltação à violência e sim como um símbolo de paz, um libelo anti-guerra (e eu concordo com eles em gênero, número e grau). É bem verdade que a tela é dura, forte, em alguns momentos difícil de manter os olhos fixos, tamanho o rigor e a brutalidade de suas imagens, mas trata-se de um choque de realidade mais do que necessário (principalmente neste século XXI repleto de fake news, racismo e misoginia em que vivemos).

Toda pintada em preto-e-branco, diferentemente de suas fases azul e rosa, intensifica ainda mais a sensação de drama, de niilismo por trás das escolhas visuais. Não se trata simplesmente de "um objeto para se pendurar na parede de sua casa, com o intuito de enfeitar o ambiente, e sim uma arma de ataque e defesa contra o inimigo", como gostava de salientar muitas vezes o próprio artista.

Todavia, o mais interessante neste espetáculo visual é a capacidade de analisarmos sua composição estética. Em outras palavras: Guernica está repleto de pequenas mensagens e significados. Basta que o espectador tenha bons olhos para percebê-lo. Vamos aos exemplos.

Há um claro ataque à cultura espanhola (e percebe-se isso na presença exuberante e destacada de dois animais na tela: o cavalo e a touro). Com o passar dos anos cheguei a fazer uma correlação forte entre a tela e o livro O verão perigoso, de Ernest Hemingway, um apaixonado por touradas. E alguns elemenros possuem escrituras internas (como se fossem páginas de um jornal). Isso, reforçam alguns críticos, refere-se à maneira como o pintor ficou sabendo da notícia do bombardeio na época: através da imprensa, já que morava em Paris na ocasião.

As múltiplas imagens de sofrimento - o soldado morto no chão; uma mãe que chora a morte do filho nos seus braços; uma mulher em desespero enquanto sua casa é destruída, em chamas; uma mulher com a perna ferida, que tenta fugir do caos; uma outra mulher com um lampião na mão - são arquétipos do horror causado aos seres humanos, e uma prova viva do quanto a vida humana não valia absolutamente nada para aqueles que perpetraram toda aquela barbárie.

Isso sem contar a imagem da espada quebrada (alusão à derrota do povo diante do totalitarismo) e, claro, os edifícios pegando fogo (ou seja: não somente a destruição da cidade de Guernica, mas de toda a Espanha durante o período da Guerra Civil).

Ao final de tamanha exuberância e dor em forma de artes plásticas, vêm à minha mente duas informações imprescindíveis: a primeira, a de que dificilmente outra obra na história da arte mundial conseguirá me passar tamanho volume de informações, não importa o quanto tente; e segundo, eu espero que um dia consiga ver Guernica com meus próprios olhos. Seja eu indo até onde ela está, seja ela dando as caras no Brasil.

Talvez muitos digam: "acho que é mais fácil você melhorar de vida e ir à Europa vê-la do que ela dar as caras no país". Contudo, eu dizia o mesmo de Abaporu, tela de Tarsila do Amaral definidora do movimento modernista, e consegui vê-la no Museu do Amanhã sem pagar um centavo por isso. Logo, ainda não é tarde para sonhar.

Enquanto isso... Que o sonho e a grandiosidade por Picasso e sua obra extraordinária permaneçam em minha mente!


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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