Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Um quadro, uma guerra
(Guernica: muito mais do que artes plásticas)
Roberto Queiroz

Já prevejo alguns dos meus leitores mais assíduos me chamando de louco. Quer saber: que chamem. Sim, eu decidi dedicar um artigo exclusivamente à uma pintura. Mais do que isso: uma verdadeira obra-prima da história da arte. E se quiserem me rotular de excêntrico por causa disso, fiquem à vontade!

Refiro-me à Guernica, obra seminal do pintor Pablo Picasso, pertencente à sua fase mais obscura (fase essa que coincide não somente com o início da Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial, como também com o falecimento da mãe do pintor em 1939). Portanto, um período soturno para ele como criador.

Guernica, mais do que um mero mural, trata-se de um ato político. É uma tela inspirada no bombardeamento da cidade que dá nome à obra, localizada na Espanha, em 26 de abril de 1937 por aviões alemães da Legião Condor que praticamente destruíram toda a região. Seu resultado final, como pintura, é uma severa crítica a devastação provocada pelo nazismo, neste caso apoiado pelo então ditador Franco.

A primeira vez que fiquei sabendo da existência do quadro de Picasso eu era bem novo, coisa de 10, 11 anos, e confesso: foi meu primeiro momento de perplexidade diante de um objeto artístico. Digo mais: foi quando eu tive a certeza de que minha vida precisava estar relacionada à arte de alguma maneira. Depois deste primeiro vislumbre corri atrás de livros sobre o pintor em bibliotecas públicas e livrarias. Começava ali meu contato com os livros. Resultado: não parei mais e acabei por me tornar este nerd fanático por conhecimento.

Muitos analistas e críticos de arte não vêem Guernica como uma exaltação à violência e sim como um símbolo de paz, um libelo anti-guerra (e eu concordo com eles em gênero, número e grau). É bem verdade que a tela é dura, forte, em alguns momentos difícil de manter os olhos fixos, tamanho o rigor e a brutalidade de suas imagens, mas trata-se de um choque de realidade mais do que necessário (principalmente neste século XXI repleto de fake news, racismo e misoginia em que vivemos).

Toda pintada em preto-e-branco, diferentemente de suas fases azul e rosa, intensifica ainda mais a sensação de drama, de niilismo por trás das escolhas visuais. Não se trata simplesmente de "um objeto para se pendurar na parede de sua casa, com o intuito de enfeitar o ambiente, e sim uma arma de ataque e defesa contra o inimigo", como gostava de salientar muitas vezes o próprio artista.

Todavia, o mais interessante neste espetáculo visual é a capacidade de analisarmos sua composição estética. Em outras palavras: Guernica está repleto de pequenas mensagens e significados. Basta que o espectador tenha bons olhos para percebê-lo. Vamos aos exemplos.

Há um claro ataque à cultura espanhola (e percebe-se isso na presença exuberante e destacada de dois animais na tela: o cavalo e a touro). Com o passar dos anos cheguei a fazer uma correlação forte entre a tela e o livro O verão perigoso, de Ernest Hemingway, um apaixonado por touradas. E alguns elemenros possuem escrituras internas (como se fossem páginas de um jornal). Isso, reforçam alguns críticos, refere-se à maneira como o pintor ficou sabendo da notícia do bombardeio na época: através da imprensa, já que morava em Paris na ocasião.

As múltiplas imagens de sofrimento - o soldado morto no chão; uma mãe que chora a morte do filho nos seus braços; uma mulher em desespero enquanto sua casa é destruída, em chamas; uma mulher com a perna ferida, que tenta fugir do caos; uma outra mulher com um lampião na mão - são arquétipos do horror causado aos seres humanos, e uma prova viva do quanto a vida humana não valia absolutamente nada para aqueles que perpetraram toda aquela barbárie.

Isso sem contar a imagem da espada quebrada (alusão à derrota do povo diante do totalitarismo) e, claro, os edifícios pegando fogo (ou seja: não somente a destruição da cidade de Guernica, mas de toda a Espanha durante o período da Guerra Civil).

Ao final de tamanha exuberância e dor em forma de artes plásticas, vêm à minha mente duas informações imprescindíveis: a primeira, a de que dificilmente outra obra na história da arte mundial conseguirá me passar tamanho volume de informações, não importa o quanto tente; e segundo, eu espero que um dia consiga ver Guernica com meus próprios olhos. Seja eu indo até onde ela está, seja ela dando as caras no Brasil.

Talvez muitos digam: "acho que é mais fácil você melhorar de vida e ir à Europa vê-la do que ela dar as caras no país". Contudo, eu dizia o mesmo de Abaporu, tela de Tarsila do Amaral definidora do movimento modernista, e consegui vê-la no Museu do Amanhã sem pagar um centavo por isso. Logo, ainda não é tarde para sonhar.

Enquanto isso... Que o sonho e a grandiosidade por Picasso e sua obra extraordinária permaneçam em minha mente!


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
Número de vezes que este texto foi lido: 61642


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas O país das cestas básicas Roberto Queiroz
Artigos Um teatro com a cara da gente Roberto Queiroz
Crônicas Baseado em mentiras sinceras Roberto Queiroz
Poesias Brazil, com Z mesmo... Roberto Queiroz
Crônicas O dia em que o palhaço não riu Roberto Queiroz
Artigos Os extremistas estão chegando! Roberto Queiroz
Artigos Compro, logo existo! Roberto Queiroz
Artigos Meu manifesto Roberto Queiroz
Artigos Cansei de modinha Roberto Queiroz
Artigos Os Bolsonarianos Roberto Queiroz

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 131 até 140 de um total de 188.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
A MOSCA - MARCO AURÉLIO BICALHO DE ABREU CHAGAS 62146 Visitas
Cores da Amizade: Um Diálogo Cultural Brasil-Alemanha - Gisele Lahoz 62144 Visitas
Ave Sem Vôo - José Ernesto Kappel 62143 Visitas
Equidade, Igualdade e Acolhimento na Educação Infantil - GABRIELA MACCARI 62143 Visitas
Ensaio sobre a decepção - Luzia de Fátima Ferreira Marques Oliveira 62141 Visitas
Camuflagem - Keiti Matsubara 62137 Visitas
Entrevista com July Valentine - Caliel Alves dos Santos 62135 Visitas
Crec! Crac! Buf! - Luiz Paulo Santana 62133 Visitas
Salto ao vacuo - Edienari Oliveira dos Anjos 62133 Visitas
REALIDADE!! - Gerson de Moraes Gama 62133 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última