RELATO DA NAZARENA
Tenho a pressa pela sina
e o respeito aquerenciado...
Com a gêmea do meu corpo
talareando no outro lado.
Todos respeitam minha voz;
Bem mais, o fio que carrego!
E beijo a prata da lua
quando em silêncio me entrego.
Cada dente pontiagudo
que carrego - ao meu jeito -
é um desamor que trago
por não os deixar no peito.
Nunca pude ser estrela,
sobrou-me o tino de espora!
Por não saber de carinhos,
minha alma em verso chora.
Se me arrastam, onde cruzo,
deixo bem mais que um desenho...
O rastro que me conduz
é a forja de onde venho!
...Fui a cura das saudades
quando apurei toda estrada;
Fui a própria solidão,
dormindo dependurada.
Sou razão de aprendizado,
mesmo com pequenos dentes...
...na primeira vez atada
no garrão de um descendente.
Pra depois, ser picardia
e, mesmo sendo chorona,
jamais renego o costeio
contra quem esquece a doma!
Às vezes - injustiçada -
na incerteza do clamor,
abraço o treval cerrado
e me enredo em uma flor...
...que assim, sem saber como,
dá adeus à vida serena
e morre negando o beijo
dos dentes da nazarena.
Já fui relógio inocente
à alguém perdido nas horas
que me escutando, sem ver,
nem me lembrou por espora!
Até apear num rancho
pra uma visita de amor...
...e me deixar na ramada
com a poeira do corredor.
Dizem que levo por diante
- copiado em minha figura -
o semblante das estrelas
nas suas formas mais puras...
Mas meus dentes - tal espinhos -
Culpados pelas sangrias,
nem se comparam ao corpo
tão belo das Três Marias.
Quis ser sinal de romances,
mas o destino assim quis
que eu ensine pelo corte
e aprenda com a cicatriz.
Não pude ser flor do campo,
tampouco de algum jardim...
Restou-me os tentos de couro
que entoam juras à mim.
Por léguas, relato mágoas...
...canto sonhos, e somente
levo saudades comigo
pelas distâncias em frente!
Carícias? Pouco conheço,
mesmo tendo coração...
Nestas horas, eu que sinto
o corte da solidão.
Talvez por não ter nascido
feito estas moças que vejo
que com lábios colorados
entregam doce em seus beijos...
...eu tenha o duro castigo
de provar que já amei,
mas não convencer jamais
por tantos que já cortei.
Nem canto a gêmea que trago
do lado inverso que venho...
Também espora, imagino
que tenha as mágoas que tenho.
Mas eu lhe bem-digo em prece
se alguém possa me escutar...
Pois foi somente com ela
que pude formar um par.
De noite poucos me escutam,
canto minhas dores de dia...
E à quem tem campo na alma
sou bem mais que melodia.
Os galos quebram meu sono
Namoro os tentos atados...
- Tenho a pressa pela sina
E o respeito aquerenciado!
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