Olhos quase fechados vagueiam no horizonte
A penumbra do tédio já chega ao amanhecer
A imaginação circula pelas sujas paredes
Denunciando um cemitério que se recusa a morrer
Almas quase vivas discordam da vida, mas aceitam o destino
Pequenas criaturas ainda inocentes, apenas choram
Porque aos olhos ingênuos, a sujeira ainda é bela
E é pela beleza do mundo que elas imploram
Inocentes crianças desconhecem seu sombrio futuro
Desiludidos adultos amargam seu miserável presente
Despreocupados anciões relembram um estranho passado
Mas nenhum deles sabe o que realmente sente
Figuras estranhas serpenteiam corredores de favela
Cercados por grotescas construções a ruir
Com a imundície e o cheiro já nem se incomodam
Nem tampouco se um dia vão sumir
Amontoados e solitários habitantes levantam suas cabeças
Já cheias de ideias imprestáveis e vagas conclusões
Saem à luta invadindo o mundo burguês
Marginalizados e sem defesa contra as insinuações
Os guerreiros do submundo culpam a pobreza
Espertos politizados atacam o governo e seu sistema
Descontrolados alienados atingem a si próprios
Mas nenhum deles ainda descobriu a causa do dilema
Em uma das mãos, a espada da justiça
Na outra, o escudo da salvação
A fome e o desespero arma seus gladiadores
Agora personagens de um filme de ficção
O mundo assiste indiferente ao caminhar da estória
Personagens mudam, mas o enredo não
Figurantes tomam seus lugares, prontos para morrerem
A fábula, ainda que verdadeira, sem solução...
®Valtencir – ago_1988
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