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Maria Dolores Mutema
Antonio Magnani

Resumo:
Denunciando a violência doméstica

Sentei-me em minha velha poltrona amarelada pelo tempo. A sala estava fria, escura, mórbida, assim como estava a minha alma ferida. Lá fora os ventos outonais anunciava que em breve chegaria a tempestade e aos poucos a escuridão tomou conta daquela tarde tão sombria. Sentia-me só, completamente só, queria chorar mas não conseguia e comecei relembrar os sofrimentos que fizeram e fazem parte de minha vida.

Durante minha infância, lembro-me que fui feliz raramente, e a desgraça bateu em minha porta, minha mãe o único anjo que me protegia, morreu repentinamente, fiquei só mais uma vez e já se passaram tantos anos, quase oitenta anos e ainda continuo só, continuo sozinha, continuo a sofrer calada.
Meu pai me abandonou na casa de um familiar, e lá tornei-me uma escrava e trabalhava, trabalhava e nada estava bom. E apanhava, apanhava, e era agredida com todo tipo de palavras. O tempo passou e me transformei em uma jovem mulher bonita e atraente, meu sonho era casar, ter um esposo que me amasse, ser livre, ser feliz, afinal todos têm esse direito.

Mas um dia fui brutalmente violentada por um membro da família, e tive que sofrer em silêncio, tive que guardar segredo e conviver dia a dia com o meu algoz. Era numa época em que a mulher, não tinha vez e nem voz, foi há muito tempo, mas parece que foi ontem, pois minha memória ainda não conseguiu apagar os rastros de sofrimento.

Casei-me com um homem religioso. Aparentemente um verdadeiro evangélico e pensei que iria começar uma nova vida, e foi aí que comecei a viver um verdadeiro inferno. Foram mais de sessenta anos de sofrimento, dor e angústia. Sofri toda espécie de agressão física, emocional, psicológica. E com a chegada dos filhos pensei que algo iria mudar, mas pelo contrário a violência, a brutalidade era repartida entre mim e eles.

Aparentemente éramos uma família quase feliz, tínhamos uma boa casa e meu algoz era respeitado na igreja, pois era dizimista fiel, tocava orgão e cantava no coral e toda noite fazia devocional com a desgraçada mulher e com os filhos infelizes. Em casa ninguém podia falar, questionar ou reclamar pois a sentença poderia ser cruel e fatal.

Hoje estou aqui sentada nesta poltrona, sinto-me velha, fraca, doente, cheia de dores e com uma família arruinada. E quase todo dia ainda tenho que suportar as malvadezas do meu algoz, mesmo velho e doente ainda continua uma pessoa insuportável, espero que nesta terra venha pagar pelos seus atos.

Aparentemente estamos casados, diante de Deus, dos homens e da sociedade, mas na verdade esse casamento acabou-se no dia em que começou. As vezes cobro de mim mesma, porque não tive coragem de largar tudo, pedir o divórcio, afinal fui ensinada que Deus abomina o divórcio. Mas Deus também abomina a violência doméstica.

Tem dias que abro meu coração a Deus, e peço perdão, e para ser sincera, ele já poderia ter morrido há muito tempo, e quando partir penso que ninguém sentirá saudades. Ninguém sabe o que vai no coração de uma mulher que sofre.

Confesso que no calabouço de minha alma, planejei matá-lo mil vezes, mas nunca tive coragem. Mas existem muitas formas de matar alguém sem ser preciso usar um punhal ou uma espingarda. No meu coração de mulher ferida, ele já foi morto há décadas, penso o que me mantém viva, o que me faz acordar a cada dia, o que espero pacientemente é fazer o seu enterro sem lágrimas, sem remorso, sem flores.

Ao ler esse relato não me interpreta mal, apenas escrevo o que sinto, e estou lutando a cada dia para liberar perdão a ele, para que eu também seja perdoada, mas não tem sido fácil. Sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta sempre a incomodar.

E lá fora a chuva fria, continuava a cair abruptamente, faz lembrar-me todas as lágrimas choradas durante todos esses anos, hoje não choro mais.

Hoje já não tenho lágrimas, não tenho medo de nada, não sinto nada, nem ódio, nem amor, nem raiva. Sinto-me completamente só, assim como tem sido minha vida.

Paro e penso e começo a divagar será que o nome próprio está carregado de significado?

Chamo-me Maria Dolores Mutema

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