Olho para minhas mãos e sei que são iguais a de todos,
que afagam o cão, apanham laranjas, descascam ovos,
escrevem a poesia quando a tarde cai, nos braços da noite,
quieta, erguem o carro enterrado no barro, apanham gravetos,
se enchem de calos quando o café está pronto para ser apanhado,
recolhem flores que se foram no outono que foge, úmido...
Olho para algumas mãos e lá estão elas engatilhando armas,
segurando pelo pescoço o gato que dormiu no sofá,
espancando a mulher que pediu a separação,
separando a fileira de pó, roubando o carro,
assinando o tratado para separar nações,
registrando o destino de oprimidos,
ferindo crianças com abusos...
Olho novamente para minhas mãos e lhes pergunto onde está o erro,
se na intenção que as fazem se moverem, nos músculos ansiosos,
nos nervos que se arrebentam nas lutas violentas do dia-a-dia,
e de repente percebo, num átimo de segundo, que há nas mãos
que pendem ao lado corpo ou se erguem em punhos fechados,
a razão de todos os bens ou a loucura de todos os males,
a falta de amor que ronda corações frios e insensíveis,
que torna as mãos as preceptoras de todo ato insano,
mãos que foram criadas para tocar as estrelas,
mãos que foram criadas para a carícia,
mãos que, juntas, levantadas,
oram ao céus em busca de paz...
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