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  Texto selecionado
(RE)FABULOSO
Caliel Alves dos Santos




Dedicado a Ivys Danillo e Breno Fonseca.

    Esta história não é tão velha que vos pareça um fato desconhecido, mas atentem-se as nuances do relato para que essas linhas más traçadas, não venham a parecer uma extensão mal elaborada do mesmo.
    Bem, agora vejamos, ela ocorreu na década de 60. O mundo todo já tinha visto as maiores guerras do mundo depois da Guerra de Tróia e do Mahabharata, centenas de revoluções e muitos conflitos.
    Mas abaixo da Linha do Equador, no Trópico de Capricórnio, numa cidade litorânea do país conhecido como Brasil, haveria um conflito entre as tecelãs do Destino. Qual sina para qual garoto na sala?
    O mais velho parecia espirituoso, educado e gentil. Vestia um terno e uma calça social. Esmerado como um diamante. Os cabelos negros tinham um brilho ofuscante, a pele evidencia sua origem bastarda.
    O jovem tinha petulância, teimosia e cinismo. O gênio ruim só era mais limpo do que as mãos traquinas. A roupa galante já não constituía beleza alguma, tudo nele era um problema. A boca então!
    O médico chamou dos dois meninos na sala de estar e os dois se apressaram a entrar no quarto. O velho estava moribundo, desenganado pelo médico há muito tempo que viveria bem pouquinho.
    O braço pelancudo se agitou no ar e procurou abraçar os garotos, o mais velho retribuiu, o mais novo ficou de canto, assistindo a cena com nenhum entusiasmo. O velho pigarreou e disse aos dois:
     — Escutem meus filhos, pois tenho dois e não um como minha velha esposa acreditava. Vivi muito nesse mundo para lhes dizer o que a Vida espera de um Homem, e o que ela não quer ver em um Homem: Não faça do orgulho estandarte para que em teus ombros ele não se torne um fardo. Esqueceu-se de sorrir, não te lembres de chorar. A lamúria e o regozijo só aumentam o sofrimento. O maior de todos os pobres é o que só tem dinheiro para comprar a infelicidade. Os que comem a mesa da mentira, depois só vomitam asneiras. Os sábios são loucos aos olhos dos perversos. Se conselho fosse vendido, não serviria, pois o remédio para os males de um é veneno para o corpo de outro.
    Depois de dizer tudo isso ele entrou numa crise de tosse convulsionante e faleceu. O irmão mais velho chorou e imprimiu tudo no seu coração. O mais novo correu assustado do quarto do pai.
    Brincando de carrinho antes do velório, ele esqueceu tudo o que o pai disse. O Testamento foi lido no jardim. O senhor de calças coronhas e terno de ombreiras subiu em um caixote e fez a leitura.
    O falecido exigiu como tutor o seu amigo mais próximo, que cuidaria dos seus filhos. O pai queria que os filhos tivessem igualmente os mesmos cuidados, Educação, Saúde, Lazer, Segurança e Paz.
    Enterrado às três horas da tarde no cemitério da cidade, o resto da família que se resumia aos dois garotos, o tutor e os empregados, retornaram para a mansão que ficava bem localizada em bairro nobre.
    As coisas por um momento pareceram estranhas ao filho mais velho, não teria mais o pai ali para lhe repreender e lhe ensinar sobre as coisas do mundo. Havia muito que gostaria ainda de saber.
    O filho mais novo por sua vez sentiu um que a mais de liberdade. Não teria mais o pai para vigiar os seus passos ou brigar com ele quando cometesse um falta. Já se acostumara à nova situação.
    Como odiava o seu irmão, maltratava-o com todos os artifícios que podia, queria maltratá-lo, xingava o irmão, imitava um macaco e depois quebrava as coisas culpando o irmão mais velho por tudo.
    Quando se queixava com seu tutor, recebia a culpa ou um safanão. Seu irmão era o centro das atenções nas reuniões de família e ganhava os melhores presentes. O outro era segregado na cozinha.
    Acalentado pelas empregadas da mansão por ser bonzinho e de mesma cor, comia o bufê antes de todo mundo. Com o motorista aprendia a consertar carros. Com as empregadas aprendeu a cozinhar.
    Antes dos doze anos já tinha mais autonomia que muitas meninas da sua mesma idade. Suas notas na escola eram diferentes da de seu irmão mais novo, mas o outro comprava melhores boletins.
    Com o passar dos anos, um o irmão mais velho já tinha acelerado uma série devido à aplicação nos estudos, o caçula aumentou os gastos do tutor com a propina na escola e abafar o seu mau comportamento.
    Nada lhe punha rédea, e quando contrariado, usava o dinheiro de seu pai e pronto!
    Quando os dois se formaram no ginasial, o bastardo procurou o nível superior e o outro a boêmia. Enquanto as denúncias de assédio cresciam contra seu irmão, ele estudava mais ainda.
    Tentando ajudar, ele procurou o seu irmão caçula para uma conversa e disse-lhe:
    — Veja meu irmão, nosso pai faleceu e estamos sós no mundo, nosso tutor só não torrou toda a nossa porque depende dela para manter o seu padrão de vida. Olha para tudo isso e repara que é nosso por direito. Desde o portão até a poeira que se instale nos móveis. Não sei quais tuas queixas contra mim, mas que te falta para usufruir disto com mais saúde e respeito ao esforço de nosso pai?
    — Começa por ser bastardo, depois por sabichão e tenta parecer o que não é, quando na verdade o é em vice-versa. Não sei quem te disse que não gozo nem usufruo com saúde daquilo que o “meu pai” deixou para mim. O único mal que o meu pai deixou na Terra para minha desgraça e vergonha foi a ti. Não sei por que nasceste nesse berço, quando dele não tinha direito nenhum!
    E como um peixe a dar rabanadas nas fuças do desavisado pescador, o caçula, pois fim aquela conversa sem pé nem cabeça que tinha tido. O outro não se ofendeu, ele não se ofendia mais com nada.
    Enquanto enfiava a cara nos livros seu irmão enfiava a mão no violão e chegava em casa as tantas da noite. Acordava o tutor, bulinava as empregadas mais jovens e deitava na cama roncando feito um porco.
    Pela manhã acordava aborrecido gritando e ordenando quem aparecesse pela sua frente. Seu irmão mais velho já estava na primeira condução para a escola de nível superior. Era homem incansável.
    O irmão mais novo tomava café bocejando como um leão cansado de correr atrás da presa. Lia o jornal gaguejando as palavras e sempre perguntava ao motorista como se soletrava tal e qual palavra.
    Quando não berrava, gritava. Ai de quem não fizesse o que ele mandava. Como o reizinho mandão, ele apontava para um objeto e logo estava em suas mãos, ordenava e acontecia num passe de mágica.
    Mas como tinha preguiça até de mandar, saia logo para se encontrar com os amigos. As mulheres de vida fácil o conheciam sua lábia e as pobres que não conheciam logo se sentiam amarguradas com a gravidez.
     Tantos foram os bastardos que largou pelo mundo que já tinha quebrado record do pai e de seu tutor fanfarrão juntos. Eram muito parecidos por sinal.
    Os dias e as noites passavam iguais para ele. O tutor querendo lhe fazer bem e aumentar a fortuna da família, arrumou um casamento com uma bela moça. O irmão mais velho saiu de casa para fazer faculdade.
    O irmão mais novo considerou o caminho livre e arquitetou uma maneira de garantir a fortuna da moça e se livrar do tutor. Depois do noivado apressou o casamento com a sua pobre e ingênua esposa.
    Os sogros lhe abriram sociedade com o genro na sua empresa para unir os capitais das famílias. Envenenou o tutor com uma taça de vinho, entregue através pelas mãos da esposa na festa de núpcias.
    Um mês depois a perícia chegou com o laudo incriminatório: morte por intoxicação. Tudo de que ele precisava, esperou a condenação. Depois arrumou uma bela amante e desfilava com ela num cadilac.
    O sogro morreu num assalto seguido de latrocínio dois meses após a prisão da filha. A sogra não aguentando a pressão dos fatos suicidou-se meses depois. O caçula tornou-se sócio majoritário da empresa do sogro.
    O irmão mais velho seguiu na faculdade sofrendo todo tipo de tortura, física, psicológica e sentimental. Assim como em sua própria casa ele foi segregado como se fosse um animal selvagem qualquer.
    Sua inteligência ofendia seus colegas que acreditavam que ou ela vinha de berço ou era coisa de cor. Nem uma nem outra, ele concluiu a faculdade engenharia e ganhou uma oportunidade no Chile.
    Ele trabalhou durante quatro anos, os dois primeiros meses como minerador, depois como operador de máquina e concluiu o ano como engenheiro adjunto. Casou-se com a filha de um fazendeiro chileno.
    Com ganhava em dólares, chegou rico ao Brasil. Montou o seu próprio escritório de engenharia, quando os clientes sabiam do seu nome iam lá, mas quando sabiam quem realmente era davam-lhe as costas.
    Mas sempre voltavam a contragosto. Não havia outro com tanta qualidade e experiência no mercado brasileiro da época, os seus clientes acabaram deixando a necessidade passar por cima do ego.
    Ao saber como andava as coisas na mansão, resolveu nem pisar os pés lá. Seu irmão mais velho tinha perdido metade da fortuna com as safas que o seduziam e com jogos de azar que o rapinavam.
    Os ex-colegas procuraram emprego, mas ele negou, não sabiam fazer nada mesmo.
    O primeiro filho veio após a construção do segundo escritório. Em todo o Brasil sua firma prosperava, o petróleo aumentou seus rendimentos, fosse o preço do barril alto ou baixo, precisavam de engenheiros.
    O irmão mais novo um dia catou um jornal no lixo debaixo da marquise em eu tinha se enfiado como se fosse o Rei Rato e sentiu o cheiro de oportunidade no ar. Só precisaria de uma roupa mais “apresentável”.
    Quebrou a vidraça de uma loja de ternos e surrupiou as que conseguiu catar. Banhou-se no córrego onde as mulheres costumavam lavar roupa de ganho. Pôs sua melhor máscara e foi até a mansão do bastardo.
    Durante uma semana inteira tentou uma entrevista, e só conseguiu porque a filha mais nova percebeu sua presença e contou para o pai sobre o bisbilhoteiro. Ao se apresentar, o irmão mais velho o recebeu.
    Os dois subiram até o escritório e depois de comer umas fatias de bolo e tomar umas xícaras de café, não disfarçou, estava varado de fome. Depois da morte do seu tutor, as coisas haviam mudado.
    Casara pela segunda vez com uma bela mulher que gastava os mundos e os fundos. Perdeu o resto da fortuna no pôquer e foi preso por poligamia depois que a primeira mulher conseguiu sair da cadeia.
    Os empregados antes disso tinham-no abandonado um a um, ele sempre os considerou um tanto preguiçosos. Na verdade os que não iam embora morriam por maus tratos. O bastardo ouvia em silêncio.
    Depois de uma longa reticência, o irmão mais velho chamou seu segurança e mandou jogar aquele salafrário mal cheiroso no primeiro bueiro que encontrasse. O irmão mais novo ficou pasmo.
    Foi arrastado do escritório até o portão de entrada e antes que fosse colocado no porta-malas do seu carro, o irmão mais velho encarou o seu rosto perplexo do seu irmãozinho e disse em alta voz:
    — Faço minha as últimas palavras do meu pai.
    O porta-malas foi fechado com violência.


Biografia:
Caliel Alves nasceu em Araçás/BA. Desde jovem se aventurou no mundo dos quadrinhos e mangás. Adora animes e coleciona quadrinhos nacionais de autores independentes. Começou escrevendo poemas e crônicas no Ensino Médio. Já escreveu contos, noveletas, resenhas e artigos publicados em plataformas na internet e em algumas revistas literárias. Desde 2019 vem participando de várias antologias como Leyendas mexicanas (Dark Books) e Insólito (Cavalo Café). Publicou o livro de poemas Poesias crocantes em e-book na Amazon.
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