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Piriguete Capítulo 5
Pandora Agabo

Segundas-feiras são tão deprimentes quanto as sextas-feiras me são excitantes. A essa altura do campeonato vocês já devem ter percebido que eu não sou a maior fã do meu emprego; o bom é que eu faço parte de uma grande parte da população nesse quesito... "Bom" não, né? Menos mau. Acredito que seja espantoso que uma pessoa, que diz fazer somente o que quer, trabalhe com o que não gosta. Concordo plenamente. E olha, não sou uma grande adepta de ficar arrumando desculpinha pra se justificar, só que eu tenho uma explicação bastante plausível pra isso.

Da mesma forma que eu faço as coisas que eu quero, eu não faço o que não quero, excetuando-se o trabalho, porque ele é necessário caso eu queira continuar levando essa vida mansa que levo.

Desde sempre os meus pais bombardearam a Mariana e a mim de discursos que valorizavam a educação; mais que a educação, que valorizasse o ensino. Era de se esperar também, já que ambos são professores, meu pai universitário e minha mãe de cursinho – não se deixe enganar, minha mãe é uma das feras da cidade e devido a disputa dos cursinhos pré-vestibular para a contratarem, ela ganha mais, bem mais que o meu pai. E se vocês estão se perguntando se eles são aquele caso típico de mamãe formada em curso de mulherzinha e papai em um curso "de verdade", engano seu. Ambos são formados em Letras Português, cada um enviesado em uma área, que acho que não vem muito ao caso comentar aqui, mas vocês já podem imaginar onde foi que eles se conheceram.

Então é, eles são bastante cultos e excelentes no que fazem. E tudo o que queriam é que suas filhas seguissem seus passos… Não no mesmo curso, é claro, mas que tivéssemos uma graduação, não importava qual curso. E olha, o esforço deles não foi pouco: pagaram as melhores escolas – isso foi mais pra Mariana que pra mim e eu vou explicar o porquê –, cursos de línguas, propuseram intercâmbio e enfim, foram os nossos maiores incentivadores. A Mariana fez direitinho, agarrou todas essas oportunidades, passou uma temporada no Canadá durante o ensino médio e tem até uma pós em Farmácia, se não me engano. Eu… Bom, é… Eu fui uma espécie de câncer para os meus pais nesse sentido, uma experiência muito da malsucedida. Se tinha uma coisa que eu detestava na época da escola, essa coisa era basicamente o principal motivo de irmos à escola: eu odiava estudar. Odiava, odiava, odiava. O mínimo de esforço que eu fazia era apenas para que eu não ficasse de recuperação, porque só de pensar que eu teria que frequentar aulas além daquelas que já tínhamos que assistir, eu ficava apavorada e só por isso não deixava tudo largado. Mas é isso, eu odiava! Assim como ainda odeio. Das oportunidades que os meus pais ofereceram, agarrei os cursos de línguas, mas não foi fácil terminar o inglês e o espanhol, porque sempre que eu podia inventar alguma desculpa, eu faltava. Ciente de que meus estudos não valiam o dinheiro que meus pais gastavam com as minhas mensalidades, acabei negociando com eles um aumento de mesada caso eles me colocassem no colégio público. Não foi fácil convencê-los e só com uma argumentação muito boa – e com a promessa de que, agora que eu ia estar numa escola cujo nível de dificuldade era menor, eu teria que aumentar minhas notas –, eles reconsideraram e viram que seria até mais lucrativo pra eles.

Quando eu estava no 3º ano do Ensino Médio e eles disseram que eu tinha que escolher alguma coisa pra fazer do meu futuro, a minha resposta era sempre "É, eu vou pensar", só que eu já tinha pensado: eu não queria fazer nada. Como explicar isso? Como explicar para seus pais intelectuais que você não queria fazer faculdade? Sem brincadeira, foi muito mais fácil contar que eu achava que tava grávida aos 16 anos, do que contar que eu preferia não continuar estudando (acho que eles também reagiram melhor com a história da gravidez). Só que fazer o que? Eles sabiam que essa era uma escolha e não podiam me forçar a fazer algo que eu não gostasse, investindo dinheiro em mim enquanto eu preferia fazer qualquer outra coisa. Acontece que essa história toda não terminou aí: para não me deixarem encostada pelo resto da vida, os dois me pressionaram e impuseram o seguinte ultimato:

— Ou você arruma um emprego ou esquece de morar com a gente.

Eu sabia que não era uma ameaça real, até pela ideia absurda de que eles me deixariam sem teto enquanto eu estava desempregada, por isso não me desesperei de verdade, só que depois de muito pensar, concluí que eu não podia ficar naquela pra sempre, pois já fazia um ano que eu tinha terminado o colégio e eu estava entediada. Dessa forma, pedi que eles me pagassem cursinho pra concurso e passei a me inscrever e estudar pra todo edital que abria. Embalado pela minha proatividade, meu pai sugeriu que, já que eu não poderia fazer concurso pra ensino superior, que eu fizesse cursos de tudo, para que assim eu tivesse vantagem na prova de títulos caso eu passasse nas provas objetivas. E assim se passou mais um ano e meio. Foi um saco até que eu conseguisse passar em um e, pra minha felicidade, o primeiro que passei tinha um salário satisfatório, que ainda sofreu uns reajustes pelos minicursos que fiz nesse período de concurseira. O que pegou meus pais de surpresa mesmo é que com três meses trabalhando, eu já tava atrás de uma kitnet pra morar sozinha e com 22 anos eu passei a me sustentar.

Apesar de eu não ter seguido os caminhos que eles idealizaram pra mim, meus pais respeitaram as minhas escolhas e me deram suporte para que tudo desse certo no final. Hoje, com 28 anos, afirmo sem medo de errar que não me arrependi por não ter feito faculdade. Por outro lado, também não to satisfeita com o meu trabalho. Na verdade, acho que essa vai ser uma área na minha vida que nunca vai me satisfazer, porque se eu pudesse, não trabalharia. Acho válido assinalar que o "pudesse" aqui é totalmente utópico, porque não existe solução pra que eu não trabalhe. Sabe aquelas soluções do tipo encontrar um cara rico pra casar, dar o golpe em algum vencedor da megassena ou assaltar bancos? Nenhuma dessas coisas sequer se passam pela minha cabeça. Acho que dinheiro é que nem opinião, cada um tem que ter o seu e se o dinheiro não for limpo, melhor nem ter.

A regrinha do dinheiro, no entanto, não se aplicava aos estudos. Estudar pra mim era uma verdadeira tortura. Lembro de algumas vezes que eu começava a chorar, porque minha mãe me obrigava a passar três horas estudando quando era véspera de prova. Foi vendo esse meu sofrimento, que um dia ela acabou desistindo de me obrigar, claro, com um grande pesar. Eu imagino o desgosto que devia ser ter uma filha tão "burrinha" quando se tem um imenso prazer em estudar... Mas não se tratava de eu ser burra, até porque eu me acho bem na média no que se refere à inteligência, eu só não gostava de estudar mesmo. Não sei onde que ta escrito que todo mundo tem que gostar, que todo mundo tem que ter uma área de interesse e que todo mundo precisa ir à faculdade pra ser valorizado. Acho um tremendo preconceito! Sou mais eu que não queria e não fiz, do que quem faz e não quer.


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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