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EU, ELA...E ELE
Rubemar Costa Alves

Que MULHER é essa, capeta?
          O país atravessava grave recessão e desemprego: tragédias implacáveis. EU precisava trabalhar mais horas - ELA “não entendia” a realidade brasileira ou fingia não entender?!... EU levava para casa o dinheiro ganho arduamente de “pá” - ELA rapidamente gastava de colher. Todo dia era a mesma coisa, ELA reclamando: “Você tem que arrumar outro emprego, precisa ganhar mais! Qualquer dia desses vai chegar em casa e não me encontrar.” EU explicava que era uma fase ruim e logo passaria. As poucas noites de amor que tínhamos, eram conduzidas por ELA; ai de mim que terminasse antes - nova guerra. E para “variar”, as posições de que EU mais gostava só eram permitidas em dias de vale e de pagamento. Às vezes EU chegava tarde do trabalho, muito cansado, e ELA estava “acesa”, queria porque queria... EU me esforçava, pensava naquela atriz maravilhosa da tevê, boazuda, nuazinha, mas a coisa não subia então “o bom marido” justificava. “Desculpe, querida, não sou EU... É a crise!”
          Certo dia aconteceu o que EU tanto temia: fui demitido - “contenção de despesas”, afirmaram. A indenização não deu para suprir as “necessidades” dela e dois meses depois não havia mais dinheiro algum. Na época, era mais fácil ganhar na loteria do que arranjar um emprego. Comecei, com a ajuda dos deuses da mitologia, a conseguir pequenos biscates, o dinheiro mal dando para comermos. Numa tarde chuvosa, cheguei mais cedo e estranhei o silêncio. Procurei em todos os cômodos e não a encontrei. Cadê ELA? Portas do guarda-roupa escancaradas, só havia ali meus quase trapinhos - dela não ficou uma calcinha sequer. Bilhete sobre o criado-mudo:     “Sempre te avisei que um dia daria um basta nesta situação. Pois é, o dia chegou. Não estou fugindo e sim buscando o melhor para mim. Conheci um homem maravilhoso - não é bonito, mas ganha bem, gerente de supermercado, e prometeu me dar tudo de que gosto. Vou e não me arrependerei. Espero que encontre logo outro emprego. Adeus!”
          Mais uma desagradável surpresa. O que fazer? Sem trabalho e agora sem mulher; o que pode ser pior para um homem? Cadastro para emprego fixo. Minha vontade era beber, mas nem para isso tinha dinheiro. EU estava prestes a entrar em depressão. Ouvi palmas e um chamado no portãozinho. Telegrama: oferta de trabalho como ‘auxiliar de serviços gerais’ - carteira assinada mais benefícios. “Fui voando”. Grande rede de supermercados. Após tudo acertado com a papelada, minha nova atividade! Perguntei quem era o chefe, queria me apresentar. Apontaram um baixinho mal encarado, no máximo 1.55 de altura, calvo, barrigudo e com enormes manchas de suor na camisa em torno das axilas. Caminhei na direção dele, mas de repente... outro dissabor... ELA apareceu, falou alguma coisa com ELE que consentiu com um aceno de cabeça. Ainda não me vira - no que viu, descaradamente cumprimentou.
          “Vocês se conhecem?” - perguntou o novo otário. “Sim. É o meu ex.” O anãozinho de jardim me olhou dos pés à cabeça, olhos chispando fogo (deduzi um péssimo começo). Em seguida, tirou da carteira um cartão magnético e deu a ELA que imediatamente pegou um carrinho de compras.
          “Você já está atrasado!!! - gritou. E isto é uma coisa que não admito de subordinado algum. Vamos trabalhar.” Esta foi a maneira “gentil” com que ELE se apresentou. (Pensei: tô f...o!) ELE me pôs para arrumar e repor mercadorias e ao sair resmungou: “Estou de olho em você. Tome cuidado! As coisas aí fora não estão nada boas. (Fez um gesto com as pontas dos dedos.) Tá assim de gente querendo trabalhar, não vou avisar outra vez.” (Babaca! - pensei.) Segui-os por um tempo, me ocultando. De longe, EU podia ver que ELA passeava pelos corredores de mercadorias com o carrinho transbordando de compras possivelmente caras - muitas roupas, CDs, cosméticos e gêneros alimentícios importados. Foram juntos passar tudo no caixa. Disfarçadamente, EU vi os olhos do baixinho se esbugalharem, a testa suar e as manchas da camisa aumentarem bastante. Ao terminar, ELA entregou o cartão à moça, em seguida foi à maquininha, digitou a senha (ainda secreta?!) e pronto!   ELE a acompanhou até a saída. ELA foi para casa de táxi, feliz da vida. Quando ELA desapareceu, ELE voltou balançando a cabeça negativamente e enxugando a testa com um pequeno lenço... roxo.
          O tempo corria. Comecei a estudar à noite, curso de Gestão Administrativa em Grandes Lojas de Departamentos. ELE vivia me espreitando, buscando motivos para me prejudicar: ciúmes, talvez. ELA fazia seu passeio semanal entre as prateleiras do supermercado. Quando passava no caixa, lá estava ELE para (ainda?) digitar a senha - notei que as manchas de suor começavam a aparecer nas costas também.
          Houve um dia em que ELE não apareceu. Avisaram que o gerente estava indisposto (ah, ELA insaciável na cama!), não viria e era para cuidarmos de tudo. Minha chance de arrumar as mercadorias da maneira como aprendera no curso (se ELE estivesse lá, por certo não permitiria) - EU queria pôr em prática minhas ideias. Apesar do perigo, arrisquei. Neste dia, o gerente geral do grupo fazia uma visita-surpresa. Gostou e achou interessante o novo modo como às mercadorias se dispunham nas prateleiras. Convidou-me para conversar. Durante duas horas, em agradável ambiente, contei sobre o curso que fazia e os que pretendia fazer. Ao término do diálogo, o homem me entregou uma carta: EU irradiava felicidade com a vida tomando outro rumo.
          Na manhã seguinte, cheguei mais cedo que o habitual. Esperei o nanico na porta principal (manhã chuvosa e friazinha). Logo ELE chegou, segurava um guarda-chuva pequeno, de longe era possível ver as tais manchas de suor na camisa. Quando deparou comigo, me senti olhado como um bicho peçonhento. “O que faz aqui? Devia estar trabalhando.” Respondi com ironia: “Bom dia pro senhor também!” Não senti medo e completei: “Tenho novidades!” “O que é desta vez?” Entreguei-lhe a carta e disse: “A partir de hoje sou seu chefe. Estou de olho em você. Tome cuidado! As coisas aí fora não estão nada boas. (Não fiz nenhum gesto especial - poupei o coitado.) Tá assim de gente querendo trabalhar.” Virei as costas e fui para minha sala recém-adquirida. São Paulo F. C. na parede. ELE ficou lá olhando perplexo o papel que o destituía do cargo e o tornava meu subalterno. Minha vontade era demiti-lo, o gerente geral me dera autonomia para cortar quem quer que fosse desde que não correspondesse às expectativas da empresa. Decidi mantê-lo no emprego (afinal, ELE e EU ainda tínhamos assuntos para resolver). Naquela semana, bastante cedo, EU sozinho num corredor observando o movimento dos clientes, súbito ouvi um cadenciado “toc-toc-toc...” - som de calçado feminino. Olhei para a direita, não vi nada, olhei para a esquerda (lado do coração), meus olhos quase saltaram para fora. Minha ingrata deusa! Era ELA. Estava deslumbrante. Vestido tubinho bem justo, vermelho (minha cor favorita), longos cabelos sedosos em balanço, sandálias de salto alto que valoriza panturrilhas e bumbum.
          Aproximou-se, pegou fingidamente um produto qualquer, “olhou” o preço. “Ooooiii”...” respondi com um “oi” desinteressado (desinteressado? fascinado!). “Soube que você agora é o chefão por aqui.” “É verdade, sou sim.” “Hummmmm... Deve estar ganhando bem. Ainda está sozinho?”A pergunta dela jogou um filme na minha mente. Queria saber apenas para me explorar como fizera outrora e fazia agora com o baixinho. Espere... Taí... Uma oportunidade para me vingar daquele anão. Resolvi dar atenção a ELA. “Sinto a sua falta. Fui precipitada. Devia ter ajudado e ficado com você, meu Gigante.” As palavras dela soavam como melodia suave em meus ouvidos. Isto causava uma sensação de furor (ou desejo?) que me descia pela espinha e refletia na linha da cintura. Minha calça começava a mostrar em ímpeto um volumoso relevo. Minha boca estava cheia de água, por instantes senti minha testa umedecer com gotículas de suor. “Continue” - falei. “Acho que nos deveríamos dar outra chance...” “Por quê?”Não me respondeu. Roçou o ombro em mim, colocando a mercadoria de volta. Ai, aquele perfume de jasmim... Num movimento de corpo, sutilíssimo. ELA ficou frente a frente comigo, encostou o decote em meu peito... Ah, aquela pele sedosa como um pêssego emanando um odor almiscarado de sexo... EU me rendi. “O que quer fazer?”“ Me dê à chave da casa... Prometo te esperar hoje à noite... na cama!”Não pensei duas vezes. Tirei o chaveiro do bolso e entreguei a ELA. Também liberei umas comprinhas apenas básicas de que a ‘coitadinha’ realmente precisava. Fui ao departamento de pessoal, indiquei a demissão do agora “ex”, aleguei que era desnecessário para o momento atual da empresa e que passaríamos melhor sem ELE. Tive o prazer de saborear minha doce vingança contra aquele “usurpadorzinho da mulher alheia” (e que mulher!) tirei-o do caminho definitivamente. À noite, transei maravilhosamente com a mulher dele que havia sido minha mulher e que agora era minha de novo. Que confusão deliciosa! Não parei de estudar. Hoje sou diretor geral do grupo varejista-atacadista, tenho excelente salário, mas o dinheiro é sempre pouco para ELA.
          EU sou Ariano - teimoso destemido... e ‘obediente’.
          ELA é Geminiana - sedutora multipolar... e ‘mandona’.
          Ontem foi o dia do pagamento. Tivemos uma noite de amor muito gostosa. EU agora todas as noites (e manhãs e tardes de domingo...) escolho as posições.

                 F I M




Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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