… Norma levou Sophia para perto da janela para observar o rosto dela melhor na claridade. Espantou-se ao ver a ferida na face da filha, e perguntou:
- O que aconteceu Sophia? Quem fez isso em seu rosto? - Norma perguntava a filha, espantada consigo mesma, por não ter observado antes aquela ferida no rosto da filha, como se uma barata ou outro inseto, tivesse roído a pele de sua face;
- Não sei!
- Como não sabe Sophia? E essa marca em seu braço? Parece..., um...., um..., beliscão!
- Foi Ester! - Sophia apontou para a boneca em cima da cama;
- Para Sophia de mentir! - Norma gritou com a filha;
- Chega dessa estória de boneca falando..., fazendo isso..., fazendo aquilo...,
- Mas eu não tô mentindo... - Sophia começou a choramingar;
- Ester me beliscou porque eu não queria fazer o que ela pediu...
- Eu já disse que chega Sophia! Você vai ficar de castigo até parar com essas besteiras...! - Norma se dirigiu para a porta;
- Enquanto você não parar de inventar essas coisas, vai ficar em seu quarto de castigo!Norma já se preparava para sair do quarto, quando olhou para a boneca em cima da cama;
- E essa boneca, vai ficar lá em cima, no sótão! - Pegou a boneca e fechou a porta...
x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x
… A velha separou uns potes da prateleira no quartinho e os colocou no chão. Foi até uma mesinha de madeira encoberta por um pano vermelho e preto, retirando de debaixo dele, um punhal em forma de lua, com o cabo de osso e a lamina com uma escritura bastante antiga. Abriu o pote que continha pólvora e fez um círculo no chão, desenhando em seu centro os símbolos do pentagrama invertido com a cabeça de um bode, e o besouro, significando o poder que tinha em lidar com as trevas.
Pôs um pé sobre o pentagrama e o outro sobre o desenho do besouro, fechou os olhos e começou a invocar:
- Agatodemon..., Agatodemon..., acompanhe minhas lembranças..., - A velha entrou em um transe profundo!
Com os braços estendidos para a frente, os olhos abertos mas o olhar ausente, a velha tremia o corpo por inteiro. A mulher que gritara com ela, assustada com a cena, tentou sair do quarto mas alguma coisa a puxou pelos cabelos e a jogou no chão violentamente:
- Allatou..., Agatodemon..., nepact..., luxzic, thêcstháááá..., - A velha pronunciava os nomes, ao tempo que começava a girar no meio do círculo, caindo de quatro.
Pegou o punhal no centro do círculo e cortou a palma da própria mão esquerda, deixando o sangue escorrer sobre o piso e com a ponta do dedo, começou a desenhar freneticamente com a mão direita trêmula, uma rua e em seguida uma casa. Logo depois, foi jogada para trás, caindo desacordada perto da mulher que assistia a tudo, assombrada...
x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x
Norma olhou para a boneca em suas mãos, e resolveu descer com ela para falar com Marcelo, antes de jogá-la no sótão. Encontrou ele deitado no sofá, cochilando. Sentou na ponta do sofá e chamou:
- Marcelo! Marcelo!
- Hã? O quê? - Acordou meio desorientado;
- Precisamos nos livrar desta boneca! - sacudiu a boneca na frente de Marcelo;
- Calma Norma, o que está acontecendo? - Marcelo se sentou;
- A Sophia estar muito estranha desde que começou a brincar com esta boneca!
- Estranha? Como assim?
- Eu não vou repetir o que já falei com você!
- Tá...! Tudo bem...! O que foi que Sophia fez desta vez? - Marcelo bocejou e esfregou os olhos para espantar o sono;
- Ela está com o rosto ferido e disse que não sabe como foi. Tem uma marca de beliscão no braço e...
- A professora beliscou ela na escola? - Marcelo interrompeu abruptamente;
- Não!
- Um coleguinha dela?
- Não Marcelo! - Respondeu Norma já sem paciência;
- ???... - Marcelo encolheu os ombros e gesticulou as mãos como quem perguntasse “QUEM FOI ENTÃO”?;
- Ela insiste em dizer que foi Ester!
- E quem é Ester?
- Essa boneca que está em suas pernas!
Marcelo olhou para a boneca; a pegou nas mãos e a sacudiu com força no ar, de um lado para o outro. Levantou e a jogou no chão, a boneca quando tocou o solo, fez um barulho como se fosse da queda de uma criança quando sai correndo e cai inesperadamente. Norma de um salto ficou de pé e Marcelo, petrificou o olhar sobre a boneca!
- Joga essa porcaria no lixo! Agora!!! - Gritou ele para Norma;
- Quando eu chegar à noite, não quero mais ver esse troço aqui em casa! - Marcelo pegou a camisa sobre o encosto da cadeira, jogou nos ombros e saiu batendo a porta.
Norma se abaixou e pegou a boneca com medo. Abriu a porta, destampou a lata de lixo e a deixou cair de ponta-cabeça dentro da lata. Virou-se para entrar em casa, quando ouviu a lata de lixo balançar e cair, fazendo com que a boneca saltasse pra fora, Norma olhou assustada. Mesmo tremendo, voltou a colocar a boneca dentro da lata de lixo, após suspendê-la. Entrou e fechou a porta atrás de sí.
x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x
Marcelo tinha arranjado um biscate de pedreiro de fachada e estava trabalhando no segundo andar de um prédio, em cima de uma plataforma aérea elevatória, quando de repente, um vento forte começou a balançar a máquina. O operador tentou de todas as formas manobrar o aparelho e manter o equilíbrio, mas em vão; Marcelo despencou lá de cima, espatifando-se no chão!
Norma estava assistindo a TV quando o telefone tocou;
- Alô...? Sim, sou eu...! Como...? Ai meu Deus...! Tudo bem..., obrigada...! - Colocou o aparelho de volta no carregador.
Hélio, seu filho de doze anos, estava parado no pé da escada escultando a conversa da mãe ao telefone, assim que Norma desligou ele perguntou:
- O que aconteceu?
- Seu pai sofreu um acidente no trabalho! Fique em casa com sua irmã, eu vou pro hospital!
Norma arrumou-se depressa e saiu. Chegou pouco tempo depois no hospital, encontrou Marcelo sob o efeito de medicamentos, com uma perna e um braço quebrado, enfaixado da cabeça aos pés. Jorge, o operador da plataforma se aproximou e falou:
- Eu trabalho há mais de trinta anos com esses aparelhos e nunca vi uma coisa dessas!
- Como assim?
- Mesmo com vento forte, ninguém nunca caiu pelo fato de estar usando cinto de segurança;
- Ele não estava usando cinto? - Perguntou Norma;
- Estava com todos os EPIs;
- E como foi que ele caiu então, se estava com o equipamento?
- Quando eu olhei, parecia que alguém ou alguma coisa, balançava ele no ar, como se fosse um boneco, até ele despencar lá de cima! - Norma tremeu o corpo e deu dois passos para trás;
- Senhora...! Senhora...! Se sente bem? - Jorge pegou Norma pelas mãos e a colocou sentada na cadeira;
- Eu..., estou..., bem...! Não se preocupe, está tudo bem! - Jorge desejou melhoras e saiu do quarto.
Norma aos poucos foi lembrando do episódio ocorrido em casa, quando Marcelo sacudiu a boneca e a jogou no chão. Aconteceu exatamente com ele o mesmo! De repente ela lembrou:
- As crianças! - Falou tão alto que a enfermeira que adentrava o quarto, se assustou.
Passou correndo por ela em busca de um telefone público, pois na pressa, esqueceu o celular em casa! Encontrou um aparelho no fim do corredor, próximo a máquina de café. Discou os números rapidamente e esperou; o telefone chamou..., chamou..., chamou..., até que ela ouviu do outro lado da linha: “APÓS O SINAL, DEIXE O SEU RECADO... BEEP – FELIZ DIA DAS CRIANÇAS... MAMÃE”. - Norma ao ouvir a palavra "mamãe" com uma voz grave e rouca, saiu em disparada para casa, deixando o telefone balançando no aparelho...
EMANNUEL ISAC
|