A BONECA DE SOPHIA (1ª PARTE)
Aproximava-se o dia das crianças e Norma não sabia como compraria o presente de Sophia, sua filha de sete anos. As contas atrasadas, dinheiro curto, ganhando pouco e o marido desempregado, realmente não tinha ideia do que fazer, para presentear a filha caçula.
Na véspera do dia, Sophia acordou cedo e foi até o quarto de sua mãe:
- Mãe! Mãe!
- Hãã...? O que foi Sophia? - Norma perguntou sem abrir os olhos;
- Mãe, levanta! Vamos comprar minha boneca!
- Tá..., tá bom...! Daqui à pouco! - Norma virou e puxou o lençol cobrindo a cabeça;
- Mas mãe, a loja...;
- Depois Sophia! Mamãe tá cansada agora! - Norma ralhou com a filha que saiu do quarto chorando.
Marcelo, o marido de Norma, ouvindo a conversa entre mãe e filha, virou-se para a mulher e perguntou:
- Você conseguiu dinheiro para comprar a boneca que ela quer?;
- Guardei um trocado, e não sei se vai dar! - Respondeu ela ainda meia sonolenta;
- Dentro da gaveta, lá da peça, tem um dinheiro dos biscates desta semana, complete com o necessário! - Marcelo movia mundo e fundos, para agradar a filha.
Por volta das 08:30hs, Norma levantou. Preparou o almoço, terminou as tarefas de casa e chamou Sophia para tomarem banho juntas, saíram antes das onze. Chegaram na avenida do comércio, onde ficava a maior concentração de lojas de brinquedos, e Norma começou a pesquisar os preços. Entraram em várias lojas mas as bonecas que Sophia escolhia, o valor não cabia no bolso de Norma.
Ela já estava decidida a comprar uma boneca qualquer, quando entrou em uma rua quase deserta. Norma deu alguns passos pela rua e uma senhora com a cabeça e o rosto coberto por um lenço, a observou. Dois garotos saltaram de dentro de um beco na frente de Norma, e um deles empunhando um punhal, falou:
- Passa a bolsa tia!
Norma puxou Sophia para trás dela, enquanto o outro garoto avançava para pegar a bolsa de Norma, mas parou no meio do caminho, quando olhou por trás de Norma; deu dois passos para trás e saiu em disparada, seguido pelo amigo que tinha o punhal nas mãos.
Norma começou a virar-se vagarosamente e encontrou a senhora parada, olhando fixamente para Sophia, com a metade do rosto coberto pelo lenço, e um sorriso na boca entre os dentes amarelados. A reação de Norma foi a de querer fugir com Sophia, mas a mulher logo falou:
- Não se assuste minha filha! - Norma parou;
- Não queria te assustar, mas aqueles moleques sempre roubam quem entra nesta rua!;
- Me desculpe...! Eu..., é..., obrigado! - Norma finalmente agradeceu;
- Eu estava procurando um presente para minha filha, quando entrei nesta rua, ai apareceram aqueles garotos e...;
- Tudo bem! - Interrompeu a senhora;
- Qual é o presente que procura para a pequenina? - Perguntou ela apontando para Sophia;
- Uma boneca! Mas os preços estão... - Norma apontou o indicador para cima, demonstrando a altura dos preços;
- Acho que posso te ajudar!
- Como? - perguntou Norma;
- Tenho uma lojinha na minha casa, no início da rua, vamos ver se ainda tenho alguma boneca! - A mulher virou-se e começou a caminhar.
Norma permaneceu parada, olhando a mulher se afastar, quando Sophia a puxou pelas mãos:
- Vamos mãe!
- Calma Sophia!
Norma seguiu nos passos de Sophia. Pararam em frente a uma pequena casa, mal iluminada e sem pintura. Norma olhou toda a fachada e viu escrito em uma tábua pendurada na porta: “CASA DA MÃE ANASTÁCIA – PRESENTES PARA O FUTURO”. Norma adentrou à casa observando as prateleiras, Sophia passou por uma cortina de palha e miçangas, voltando logo em seguida abraçada com uma caixa grande nas mãos:
- Mamãe, mamãe, achei!!! - Sophia mal conseguia segurar a caixa;
- Sophia, acho que a mamãe não tem dinheiro para comprar esta! - Norma falou após observar o tamanho da boneca.
A mulher observava calada do canto da sala. Aproximou-se de Sophia e abaixou-se:
- Você gostou dessa? - Perguntou;
- Hum, hum... - Fez Sophia;
- Então ela é sua! - A mulher passou a mão pelo rosto de Sophia e sorriu;
- Me desculpe senhora, mas essa boneca deve ser cara e eu não tenho dinheiro para comprá-la! - Norma tomou a caixa das mãos de Sophia para entregar para a mulher;
- A senhora não entendeu; não estou vendendo, eu a dei de presente para sua filha! - A mulher empurrou as mãos de Norma de volta;
- Com o assim, não estou entendendo?;
- Sua filha me lembra a minha pequena Ester!
- E onde ela se encontra agora? - Quis saber Norma;
- Infelizmente, não mais no mundo dos vivos! - Respondeu a mulher;
- Sinto muito! - Norma se compadeceu dela;
- Mesmo assim, acho melhor não aceitar. Esta boneca deve lhe trazer boas recordações de sua filha!;
- O que tinha de viver, já viví! Ela vai ter melhor serventia com alguém que vai cuidar bem dela! - A mulher apontou para Sophia que estava abraçada com a caixa da boneca, e observava Norma com os olhos cheios de lágrimas;
- Tudo bem! Mas faço questão de deixar pelo menos alguma coisa para a senhora! - Abriu a bolsa para pegar a carteira;
- Não! Não! Isso realmente não é necessário! - A mulher segurou as mãos de Norma;
- Não tenho como lhe agradecer! - Norma sorriu;
- Vá, seja feliz com sua filha! - A mulher foi até a porta e abriu para Norma e Sophia saírem.
Norma agradeceu mais uma vez e dobrou a esquina. A mulher fechou a porta e retirou o lenço que cobria seu rosto; partes de pele de sua face vieram juntas com o lenço, provocando dores horripilantes...
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