Farta do mundo,
A poesia apodrece no canto embolorado da sala.
Sobre ela,
A aranha tece fina teia.
Apenas o tempo se move,
Enquanto a angústia coagula nas veias.
Uma barata surge e logo se indaga:
-Tinha eu mesma de nascer?
-E tinha de ser tão feia?
Ao ouvi-la, a poesia não se contém e, brusca, responde:
-Nascer transcende a tudo.
Estética; espécie; posse; visão do mundo.
Até mesmo à própria existência.
Incontida, continua:
- Nascer é mais que nascer.
É repetir o ato de criação da vida; ainda tão incompreendido.
É dar sentido aos mundos. Universos.
A aranha, absorta com o que ouve,
Esquece de fiar.
A barata ouve e reflete,
Indiferente à realidade que lhe mitiga a existência.
O tempo, contudo, por mais que quisesse,
Não tinha como não passar.
Agastada com a própria existência,
A poesia aconselha:
-Viva, seja qual for a vida. Viva, que viver pouco se explica.
-É agora; é o que se é; é o que é; é só o que é.
E isso é tudo.
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