O sinal iniciava a correria. Numa escola, a prioridade era, logicamente, a aula, mas no recreio valorizávamos cada segundo. Bola, copinho de plástico, papel amassado ou pedra eram chutados, quando as pernas eram poupadas.
Pois bem, o alarme começou a esvaziar o pátio, os corredores e a quadra. Tendo sobrado apenas eu, a sensação de solidão e medo foi estranha. No primário, eu ainda tinha medo de chegar na sala de aula e pedir licença para entrar. A porta ficava na frente da sala, isso deixava as coisas muito mais complicadas. Para não deixar a timidez tornar a situação incontrolável, eu não poderia ser o centro das atenções. Pois era exatamente isso o que estava prestes a acontecer.
Eu teria que chegar na sala de aula antes da professora. Esta corrida, que a docente participava sem sequer imaginar, começou. O vazio e o silêncio me apressaram, a ausência de adversários visíveis fazia com que a disparada cega fosse mais angustiante. O maior obstáculo era o morro que separava a quadra poliesportiva do corredor do primário.
A pressa e a pressão desencadearam uma disparada desajeitada. Previamente concentrado no obstáculo mais difícil, composto por barro e mato íngremes (o morro), não me preocupei com os degraus de cimento da arquibancada. Foi aí que eu errei a passada. A velocidade e o giro no eixo imaginário do corpo fizeram com que eu caísse com o rosto no degrau de concreto.
Foi pior do que eu imaginava. Pior, foi dramático como numa novela mexicana: abri a porta e, chorando, encarei uma plateia atenta e assustada com o meu pranto, bem como, minha cara estragada. Como se eu fosse um palestrante, todos me olhavam atentamente, inclusive a professora. Para quem temia enfrentar a timidez, não poderia haver prova de fogo mais apoteótica. Mas a dor superou a vergonha.
Uma aluninha voluntária ajudou a recolher o meu material e uma inspetora me acompanhou até a minha casa. A pressa, que sempre foi inimiga da perfeição, quis expôr a timidez, então fui humilhado e obrigado a cumprir, pela minha rua, um desfile com o rosto destruído.
Fui entregue em casa. Fui devolvido em condições precárias. Avariado, portanto, num estado inferior ao que fui despachado para o colégio.
Reparação histórica: Não falei! Foi uma queda, não um soco.
|